O BRASIL DAS MULHERES EM MOVIMENTO 

O BRASIL DAS MULHERES EM MOVIMENTO 

O BRASIL DAS MULHERES EM MOVIMENTO 


De acordo com o censo demográfico (2022), realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brasileiras, pela primeira vez, superaram o patamar de 100 milhões, são 51,5% dos brasileiros, sendo cerca de seis milhões a mais que os homens. Mas como moram essas mulheres? A situação varia, mas ainda em sua maioria, elas sofrem com o déficit de infraestrutura básica, a exemplo do acesso à rede de esgoto que, segundo o IBGE, 62,51% dos brasileiros estão conectados à rede de esgoto, no Nordeste, a situação é ainda pior, 41,19%. 

Mas, o que tem as mulheres a ver com isso? Tudo. Como elas, sobretudo as mulheres negras (pretas e pardas), são maioria no Brasil, inclusive como chefes de família, são as mais afetadas, as que mais têm restrições de acessos a saneamento básico, água, alimentos, são as que têm os piores empregos e renda, e também, as que mais têm negado o seu direito à moradia digna, mas são as que mais se colocam à frente na defesa desses direitos. As mulheres estão, segundo Sueli Carneiro, transformam sua realidade e de suas famílias por meio da participação em movimentos sociais. 

 

   

Imagens: divulgação

 

As diversas restrições colocam as mulheres negras brasileiras como as mais impactadas com o racismo ambiental e a injustiça social no Brasil. O racismo Ambiental, expressão criada por Benjamin Franklin Chavis Jr, liderança do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, na década de 80 e ainda, nos dias atuais, afeta a população negra, indígena e pobre do país, sobretudo dos Estados do Norte e Nordeste. No mundo, a expressão racismo ambiental ganhou força com as discussões das questões ambientais e climáticas e que é ainda mais severa nos locais “periféricos” do globo, assim como os países Latino-americanos, asiáticos e africanos. 

Diversos estudiosos têm se debruçado a fundo em entender a relação entre o Racismo Ambiental e o modo como as mulheres movimentam-se para não sucumbirem ao avanço equivocado do “desenvolvimento” em detrimento do “atraso”. Uma dessas estudiosas é a norte-americana, Keisha-Khan Y. Perry, que veio à Bahia nos anos 2000, para aprender como ocorre esse movimento de luta e defesa da habitação por mulheres negras do bairro da Gamboa de Baixo, em Salvador, capital do Estado.  

De acordo com Keisha-Khan, é preciso pensar no massacre da população negra apenas pelo viés das grandes tragédias. “A gente não pode só esperar ver a pessoa negra massacrada numa piscina de sangue. Existem várias maneiras que comunidades negras estão sendo massacradas”. A professora explica que a desumanização da mulher negra, por meio do reforço de estereótipo, também é um tipo de massacre. “Essa ideia da mulher negra invisível, que entra e sai e ninguém percebe, ninguém pensa que ela tem pensamento, que quando você não tem pensamento, você também não é ser humano, porque a definição do ser humano é que ele tem pensamento, tem capacidade de raciocínio e a representação da mulher negra é que ela não pensa e não tem capacidade de raciocínio, isso também é incutido dentro da filosofia africana, então, pra mim, era muito importante isso recuperar um pouco dessa imagem da mulher negra que de fato sustenta as comunidades e o pensamento radical do negro.”, afirma Keisha-Khan. 

Em um país, como Brasil, onde cerca de 32,3% das mulheres do país estão abaixo da linha de pobreza, ou seja, têm renda domiciliar per capita de até U$6,85 por dia, segundo critério do Banco Mundial, situação que afeta 41,3% das mulheres pretas ou pardas que vivem no Brasil, contra 21,3% das mulheres brancas (IBGE- Censo 2022), esse é um dado para questionarmos e refletirmos o motivo que o país olha de forma distinta para o lugar onde a comunidade negra e pobre reside no país. 

Pensando pelo viés do racismo ambiental, apenas em Salvador, alguns conflitos são gerados pelo próprio Estado brasileiro, instituições públicas, como a Marinha do Brasil, ainda reivindica e subtrai terras de comunidades negras em toda Bahia. Tem sido assim com o Quilombo Rio dos Macacos e foi assim com a Gamboa de Baixo, ambas em Salvador. 

Para Keisha-Khan, é importante entender o local e modo que se constrói a sociedade, assim, é possível perceber quem tem sido excluída. “Em Salvador, espacialmente, onde você vive é muito importante. O povo pensa que as periferias também não constroem conhecimento, que não tá acontecendo nada na periferia espacial. A Gamboa é uma periferia geográfica, localizada no centro da cidade, mas é uma “periferia”. E o povo pensa que não tá acontecendo nada, que é tudo desorganizado, mas bell hooks dizia que as periferias, as margens podem ver as margens e o centro, o povo no centro que não está olhando para as margens”.

Quem é Keish-khan Y. Perry? 

Apesar de ter nascido na Jamaica e migrado para os Estados Unidos aos 10 anos de idade, Keisha-Khan afirmar se considerar uma afro-americana por viver há mais de 30 anos no país. É antropóloga, professora universitária, na Universidade da Pensilvânia, nos Departamento de Estudos da Diáspora Africana. Nos últimos 20 anos tem escrito livros e artigos sobre América Latina, Brasil e sobre questões dos movimentos sociais em relação a lutas por moradia.

É feminista, antropóloga e se considera uma ativista, mesmo não atuando muito nas ruas, mas diariamente nas salas de aula. É mãe de um menino, de 14 anos, que atualmente é jogador de hockey, futebol, basquete e faz atletismo.

"Eu escrevo muito sobre mulheres negras em liderança de movimentos de bairros e de movimentos sociais em geral. Tenho dado aulas sobre a tradição intelectual de mulheres negras pelo mundo, mas nas Américas em geral." (Keisha-Khan Y. Perry)



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